1 de Março de 2021
Documento do mês de março de 2021
Ao longo dos séculos foram muitas as mulheres que lutaram e reivindicaram para ocuparem o seu lugar na sociedade, tanto no mundo laboral como na cultura, na educação, na ciência e na política, lutando pela igualdade de oportunidades. A mulher foi adquirindo direitos, mas a luta ainda não terminou, pois em todo o mundo ainda são muitas as mulheres que sofrem com o preconceito, a desvalorização e a irreverência.
A história da mulher esteve, em grande medida, marcada pela subordinação e pela violência.
No mês em que se comemora o Dia Internacional da Mulher destacamos um processo judicial, do séc. XVIII, no qual uma mulher tentou obter justiça e libertar-se de uma vida de sofrimento ao lado do homem com quem casara.
De seu nome Mariana Godinho, filha de José Godinho e Vicenta Godinho, casou em Montoito a 13 de agosto de 1780 com seu primo José Godinho Perdigão, filho de Manuel Perdigão e de Antónia Godinho.
Em janeiro de 1781 Mariana Godinho interpôs no Juízo de Eclesiástico de Évora um auto de petição de pensão de alimentos contra seu marido José Godinho Perdigão. Anteriormente, como se pressupõe no processo, já intentara uma ação de libelo de sevícias contra o cônjuge, no Juízo de Montoito, para provar ser vítima de violência doméstica. Na sequência da primeira ação o Juiz deliberou que a queixosa fosse “depositada” em casa de pessoa idónea até à conclusão do processo da querela.
A 30 de janeiro de 1781 Mariana Godinho alegou que se encontrava “depositada” e que por esse motivo não possuía meios para se sustentar, nem para continuar a pagar as despesas da causa que intentara contra seu marido. Solicitou que o marido lhe pagasse uma pensão de alimentos já que todos os bens do casal estavam na posse do mesmo.
Na sequência do requerimento da queixosa, D. Jacinto Carlos da Silveira, Bispo do Maranhão, Juiz Conservador da cidade de Évora, com jurisdição na vila de Montoito, mandou que o cônjuge fosse notificado a comparecer no Juízo Eclesiástico de Évora para declarar o património, para pagar a quantia necessária para a subsistência da esposa e esta poder prosseguir e pagar as despesas com a ação que movera contra o ele. O réu não compareceu no prazo estipulado pelo juízo e, através do seu advogado, referiu que a esposa não especificava bem a quantia que pretendia. O advogado da autora contrapôs que o réu queria que a esposa saísse da casa onde estava “depositada”, por ordem do juízo, e que a ameaçava para voltar ao consórcio “…afim de a compelir e obrigar a ir para o seu poder…fazendo-se absoluto…com um despotismo o mais temerário…” e que autora se sentia ameaçada pela malícia do cônjuge. O advogado do réu denegriu as alegações da autora e referiu novamente que a mesma não especificava qual a importância certa que pretendia receber, como a lei estipulava, e como o valor não estava referido no libelo que intentara contra o autor o mesmo não devia ser válido e o réu podia e devia contestar a ação.
No final não consta nenhum despacho do juiz a favor da queixosa nem contra do réu.
Este processo é elucidativo da condição da mulher no séc. XVIII, apesar de não pertencer a uma família de baixa condição social, após o casamento ficou dependente exclusivamente de um marido abusivo. Ao sair de casa por ordem da justiça, alegadamente para ficar protegida dos maus tratos do marido, ficou sem poder usufruir do dote que recebera com o matrimónio e administrar os seus rendimentos a seu favor.
Cota: CCEVR, SC: C – Processos Cíveis e Crimes, cx, 15, doc. 255