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Notícias

11 de Agosto de 2021

Documento do mês de agosto de 2021

No mês de agosto selecionámos mais um documento elucidativo do universo da discriminação racial que ao longo dos séculos esteve fortemente enraizada na sociedade.

O documento em questão é o processo de habilitação para ingressar na vida religiosa de Manuel Baptista, natural de Avis, batizado a 30 de maio de 1709, filho de Manuel Baptista e de Micaela Maria, casados em Avis a 18 de julho de 1706. O habilitando era músico e moço das Hospedarias do Real Convento de São Bento de Avis.

Na instrução do processo foi requerido, pelo provisor das justificações “de genere” do Arcebispado de Évora, Dr. Manuel Álvares Cidade, aos párocos das localidades de onde eram naturais e onde residiam os pais e avós do habilitando, para procederem à averiguação da pureza de sangue dos mesmos junto das pessoas dessas terras.

Foram feitas inquirições em Setúbal, na freguesia de Vilar Torpim, no concelho de Figueira de Castelo Rodrigo e em Avis. Nas inquirições as testemunhas confirmaram que o habilitando, os pais e avós eram cristãos velhos, mas declararam que era notório que o avô paterno era mulato, filho de uma Joana Baptista, mulher parda, e que à época do inquérito era escravo cativo do Dr. António Soares de Faria, médico em Avis. No final do processo a Relação Eclesiástica de Évora decidiu que Manuel Baptista estava impedido de ingressar e seguir a vida religiosa por causa do avô paterno.

Os escravos, independentemente da sua origem, aceitavam ou eram coagidos a aceitar o catolicismo, convertiam-se, participavam nas práticas religiosas, casavam e batizavam os filhos. Tudo isto se constata através dos registos dos livros paroquiais.

Porém, como se verifica no processo de Manuel Baptista, filho de pais livres e tidos por cristãos velhos, a Igreja não deixou passar o facto do avô paterno possuir, aos olhos da mesma, a mácula de mulato e escravo cativo, mesmo que convertido ao Catolicismo, casado e membro de uma família cristã. Também não valorizou o facto de o pai do habilitando ser ajudante da governança de Avis.

Apesar do esforço de diversas entidades nacionais e internacionais, em prol da defesa dos direitos humanos e de cidadãos em geral para combater e erradicar o racismo, a xenofobia e outras formas de intolerância na sociedade, estas não desapareceram no Século XXI, ou seja, 300 anos depois da elaboração do documento que apresentamos este mês. Manifestam-se de outros modos mas são igualmente lesivas dos direitos dos cidadãos, pelo que há que continuar o esforço tendente a viver numa sociedade mais inclusiva e tolerante.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Cota: Câmara Eclesiástica de Évora, SC: A-Habilitações a ordens, SR: 002-Ordens menores, Mç. 153, doc, 2108

Esta notícia foi publicada em 11 de Agosto de 2021 e foi arquivada em: Documento do mês, Documento em destaque.