20 de Outubro de 2021
Documento do mês de outubro 2021
O cerco à cidade de Évora, pela causa Cartista, em outubro de 1846
O documento que destacamos no mês de outubro estava inserido na documentação do Fundo do Governo Civil de Évora, na Secção da Assistência e Saúde Pública, e não se encontrava identificado. O documento em questão é uma cópia de cinco cartas enviadas pelo Conde de Melo, Coronel Comandante das Forças Armadas, à Junta Governativa de Évora, presidida por Inácio Fiel Gomes Ramalho, entre os dias 21 e 26 de outubro de 1846.
As cartas estão redigidas como um Diário de Campanha, relatam o envolvimento e as medidas tomadas na cidade de Évora no início da guerra civil denominada “Guerra da Patuleia”, que deflagrou no país após o golpe palaciano de 6 de outubro de 1846, opondo Cartistas, apoiados pela Rainha D. Maria II, à coligação composta por setembristas, miguelistas e cartistas revoltosos.
A Guerra da Patuleia surge na sequência da Revolta da Maria da Fonte, em abril de 1846, durante a qual o povo se insurgiu, inicialmente no Minho e Trás-os-Montes, contra as medidas implementadas por António Bernardo da Costa Cabral, ministro nomeado pela Rainha D. Maria II, nomeadamente, as novas Leis de Saúde Pública e a reforma do Sistema Tributário. As medidas fomentaram a crise social e económica e, por todo o País, foram surgindo Juntas Governativas Revolucionárias, com reivindicações políticas contra o governo cabralista, instigando a Rainha D. Maria II a destituir o Governo do Duque da Terceira e a exilar Costa Cabral. A 20 de maio de 1846 forma governo o Duque de Palmela, informando a Rainha a Câmara Municipal de Évora, em ofício de 27 de maio de 1846, de que “…foi nomeado um Ministério, que identificado com os interesses sociais, não poupará fadigas para serem pronta e eficazmente remediadas as necessidades públicas…”.
Apesar destas intenções o governo é destituído por um golpe de Estado a 6 de outubro de 1846, tomando posse um governo Cartista, presidido pelo Marechal Saldanha. Como resultado, a acalmia que se vinha estabelecendo foi perturbada e as juntas governativas, que tinham sido dissolvidas após a destituição dos cabralistas, voltaram a formar-se e a amotinar-se contra o governo, iniciando-se a Guerra da Patuleia.
Em Évora houve também ecos desta instabilidade. A Junta Governativa de Évora, presidida por António José da Cunha e Sá, foi uma das resistentes à dissolução após o fim da Revolta da Maria da Fonte. Só a 10 de junho, após uma visita do Delegado do Governo à cidade, admite chegar ao termo da sua missão de dirigir o Pronunciamento Nacional. A 15 de junho emite um comunicado ao Povo Eborense referindo ter conseguido a paz para o povo durante a crise e dando conhecimento da dissolução da mesma.
Porém, com Golpe de Estado de 14 de outubro, nos Paços do Concelho os membros da Câmara, autoridades civis, administrativas, militares e pessoas do povo de todas as classes sociais declararam por unanimidade a retificação do Pronunciamento Nacional assumido após a Revolta da Maria da Fonte, de modo que fosse novamente instalada e entrasse em funções a Junta Governativa do Distrito de Évora. A Junta Governativa do Distrito não se insurgia contra a Rainha, que reconheciam coagida pelo Governo, mas contra o governo do Marechal Saldanha, os Cabralistas e uma parte dos Cartistas.
O documento em destaque é a memória da resistência por parte das forças militares eborenses à entrada das forças militares do Governo Cartista, comandadas pelo Marechal Barão de Estremoz, na cidade de Évora.
A 21 de outubro de 1846 o exército governamental aproximou-se de Évora, abrigando-se no pinhal do Espinheiro. Foi-se depois aproximando das muralhas e, ao ser-lhe negada a entrada na cidade, aquartelou-se e tomou posições em diversos pontos estratégicos, tais como o Forte de Santo António, na Cartuxa, e o Convento de São Bento de Cástris. Como represália chegou mesmo a cortar a água do aqueduto que fornecia a cidade.
O Conde Melo, juntamente com a Guarda Nacional de Évora e alguns revolucionários, estiveram atentos e não deixaram as tropas entrar na cidade apesar de terem sido disparadas “… três granadas e nove balas de artilharia sobre a cidade…”. No documento são citados nomes de militares ou civis voluntários que estiveram ao lado do Conde Melo, como o Tenente Coronel Fernam, o Coronel Martely, o Capitão Francisconi, o Conde Avilez, o Mendonça Furtado, o Comandante Moreira, o Costa, o Sabino, o Brandeiro, o Durão, o Tenente Coronel Batalha, o Major Galamba e o Major Prego.
Durante meses as tropas do Conde Melo mantiveram-se amotinadas contra as forças Cartistas. Seguindo o exemplo, outras localidades do Alentejo foram oferecendo resistência e rebelando-se à imagem de Évora.
Face a essa atitude as forças governamentais deixaram um rasto de destruição, principalmente nas freguesias rurais. O Conde Melo refere mesmo numa das suas cartas “… roubando ao povo do campo…” e “…roubados na fazenda e na honra, não poupando a brutalidade de soldadesca nem idade nem sexo. – Mortes, estupros, e roubos marcão a presença dos soldados do Barão de Estremoz!”.
Cota: Governo Civil de Évora, SC: E, Cx. 53
Fontes:
AHMEVR, Livro das Atas da Câmara, Liv. 772, f. 27;
AHMEVR, Correspondência, Liv. 109, f. 45 a 46, f. 52 e f. 53
AHMEVR, Correspondência com o Governo Civil, Liv. 110, f. 105, 106, 107