14 de Fevereiro de 2018
Documento do mês de fevereiro de 2018
“Testamento de Garcia de Resende”
No mês de fevereiro destacamos um documento pertencente ao fundo da Provedoria da Comarca de Évora e Estremoz.
Trata-se do requerimento de Manuel de Sande de Vasconcelos, morador em Estremoz, solicitando, ao Juiz de Fora da cidade de Évora, que Faustino Xavier da Rosa, tabelião público de notas da mesma cidade, e, segundo as palavras do requerente, o “mais practico e inteligente de letras antigas”, lhe passasse certidão do teor do testamento de Garcia de Resende, cuja cópia se encontrava na posse dos religiosos do Convento de Nossa Senhora do Espinheiro. No mesmo documento consta a certidão da cópia do testamento lavrada a 13 de maio de 1814 e extraída da cópia existente no convento, lavrada por Bernardo Gomes, tabelião público de Évora, a 12 julho de 1618. Segundo a informação que consta na primeira cópia do testamento o documento original estaria na posse de Pero Paulo de Resende.
Garcia de Resende nasceu por volta de 1470 e faleceu em Évora na Rua do Tinhoso, atual Rua da Moeda, a 3 de fevereiro de 1536. Esteve ligado à corte desde muito cedo, foi moço de câmara e secretário particular de D. João II e, após o falecimento deste, durante o reinado de D. Manuel, foi incumbido de diversas missões, incluindo a de secretário da embaixada enviada ao Papa Leão X. Foi nomeado, pelo monarca, Fidalgo da Casa Real, escrivão do príncipe D. João e Cavaleiro da Ordem de Cristo. Foi na corte que desenvolveu o seu talento pela escrita e pela arte. São da sua autoria o “Cancioneiro Geral”, de “Trovas à Morte de D. Inês de Castro”, de “Vida e Feitos de D. João II”, do “Sermão dos Três Reis Magos”, “Miscelânea e Variedade de Histórias”, entre outros.
A vida na corte, ao serviço dos monarcas, também lhe permitiu acumular uma enorme fortuna. Foi senhor de diversas propriedades no Alentejo (Moinho de Valverde, Herdade de Vale de Arca, Herdade do Baleizão, em Beja, e várias casas em Évora), na Estremadura (Quinta da Caparica em Almada e casas em Lisboa, na Tanoaria) e em Santarém (Almeirim).
Fez testamento a 8 de setembro de 1533, no qual deixou expressa a vontade de ser sepultado na capela que possuía junto ao Convento de Nossa Senhora do Espinheiro, de como pretendia que fosse a cerimónia fúnebre e determina também o número de ofícios e missas que deviam realizar a bem da sua alma. Com o vasto património que possuía instituiu um morgado na condição de que os herdeiros do mesmo possuíssem sempre o apelido de “Resende”.
Garcia de Resende era solteiro mas aquando da sua morte já tinha legitimado três filhos, Francisco, António e Maria, e aguardava pelo alvará de legitimação de um quarto filho por nome Sebastião, que também aparece contemplado no testamento. No testamento discrimina o que cabia a cada um dos filhos, desde propriedades, móveis, joias, tapeçarias, entre outros bens como livros, incluindo um “livro de rezar”, “trezentos e sincoenta cancioneiros ou mais que aqui tenho nas duas arcas e almarios” e “livros de historias” e retábulos “que valem muito”, “moedas de ouro, prata e cobre que são muitas e de muito valor”, “panos da Índia”, “o pedaço que tenho grande do lenho de Vera Cruz” e “os outros pedaços e reliquias”. Deixa os escravos que possuía aos filhos e as escravas à filha e ordena-lhes que os tratem bem, ressalvando que não lhes concedia alforria para não se tornarem ladrões ou andarem a pedir “pelo amor de Deus” como muitos outros.
A sua afinidade com o rei é notória nos pedidos que deixa explícitos no testamento. Pede exclusivamente ao rei que conceda mercê do ofício que possuía a sua filha para dote de casamento e que “a queira bem casar” como fizera a todos os escrivães da Fazenda, e, se a mesma já fosse casada, concedesse a dita mercê a cada um dos filhos. Pede também que o mesmo quisesse “tomar todos por Moços fidalgos como fez a outros muitos a que não tinha tanta obrigação”. Concede também ao rei o direito de preferência na compra de alguns dos seus bens. Manda que o que se vendesse fosse vendido com “recato e o fação saber a ElRei e aos Infantes porque há muitas couzas de pinturas melhores que há no Reino e folgarão de as comprar”.
Determina que todas as obras que tinha escritas “em trovas e prosa e a vida de ElRei Dom João e cartas e tudo o que tenho feito” se ainda não estivessem impressas, aquando da sua morte, se juntassem num volume e publicassem e fizessem mil livros “que por serem couzas boas se hão bem de comprar”, porque renderiam muito dinheiro.
No final deixa por testamenteiros os filhos, Pero da Mota, seu cunhado, e o Padre Frei Francisco de Vargas, pede ao Conde do Vimioso e a Francisco de Castelo Branco, camareiro Mor de El-Rei, e ao Reverendo Padre Mestre Baltazar que eles lhe fizessem mercê de tomarem cuidado de saber se o testamento era cumprido como ele prescrevia e que o fizessem cumprir como ele faria se lhe pedissem.
Cota: Provedoria da Comarca de Évora e Estremoz, Capelas da Coroa